quarta-feira, 2 de abril de 2014

Your name's day song.

Although I’m not always glad
And I’m not always far away from my solitude
Although I’ve been a boringness lonely and old rag
                                                                                    [a lot of the times  we’ve talked...

I can still feel a sparkle  of something
Nice, some cool feeling about the things
Just for a second or two...
I can still feel a little flame rising from my inside for a while
Trying to tellin’ me that nor everything in this world is under piles of shit
I can still feel that little burn that rose  and stayed for me
When we talk over the cellphone, mute finger calls and automatic laughs & green eyed pictures.

And that sweet hush that makes you cool it down for a while
Before the next rush.


domingo, 24 de novembro de 2013

varanda, final de tarde.

quando o tempo passar, a banda não vai mais estar por perto
todos voltarão à naturalidade vaga
eu sentarei com a minha turma
enquanto a sua vai caminhando para o norte
e você fica para trás
olhando as colinas da cidade trabalharem a sua barreira
ao Sol.

a varanda ainda está molhada e ela senta
e molha sua saia; o som do mesmo disco rodado
por duas semanas seguintes
continua a rodar em sua varanda,
as letras são dela, as palavras são para ela
a voz vem em seus ouvidos e soa como se fossem cantadas em seu ouvido, para cada um dos dois.

o sol laranja começa sua descida, as nuvens cinzentas cobrem boa parte de sua cor.
mas o fim da tarde ainda é lindo, as nuvens e a poluição misturadas com o sol
fazem todo o sol se colorir com raios rosa e laranja,
enquanto uma leve chuva continua a cair, mesmo após perder quase toda a sua força.

e não há ninguém se molhando nessa chuva, as poucas gotas restantes são guardadas pelas nuvens,
as nuvens parecem tristes para ela.
assim como todo o resto do dia,
e as palavras vindas da voz mais suave a fazem lembrar do que sentia
há algumas semanas. Ela não chora por enquanto.

agora as turmas se vão, as idas ao norte, ao centro e ao leste não parecem os mesmos.
Ela está parada em sua varanda, o sol do final da tarde está em seus momentos finais.
Seus olhos brilham o contraste entre o verde e o vermelho. a música parece mais leal a seus ouvidos
a cada vez que a escuta.

Passa sua mão branca pelo chão úmido, sentindo cada uma das gotículas de chuva ácida de sua cidade.
Sente um pouco de seu coração em cada uma delas, se embriagando com os mililitros de ph corrosivo que caem por aqui regularmente. O frio nos últimos tempos tem sido um amigo muito familiar a ela...

o céu encontra o breu e a Lua cheia mostra sua cara antes mesmo do Sol sumir com a dele.
o encontro dos dois ocorre e ela ainda está parada, ouvindo mais uma vez ao disco de duas semanas.
todos aqueles sons foram feitos para ela, os músicos apenas não sabiam disso ainda.
as legiões do sábado à noite saíram, foram fazer o que devem fazer
ela está sentada na varanda, uma leve garoa volta a cair, relembrando os últimos dias chuvosos e quentes.
coloca sua cabeça para fora da varanda, sentindo as mais leves moléculas de água roçarem em seus cabelos.

ela vira a cabeça para cima e olha para uma luz alguns andarem acima,
as minúsculas gotas de chuva passam pela lâmpada como tropas silenciosas na madrugada
ela encara o sereno de frente e sua música favorita toca
uma grande gota cai em seu olho esquerdo
e se confunde com a lágrima que escorre do seu olho direito.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

I wanna hear your virtual voice again.

I hate to say this
Is like declaring the end of a war
That I lose.
I wanna hear your virtual voice again
Coming up to me on a kinda green little post- it on my screen
Bringing your eyes and your
Fucking
Smile.

I’m listening Modest Mouse on a Wednesday morning
And every little sound I hear around my room
Makes me wish for a half of a second
That I’m not a bum
And that it’s you calling me again for a chat


Fuck.


A little roachie on my lap
Drivin’ me insane,
                                 Each day.
The roachie smell’s not like your smell, honey.
Although I’m in love with both your smells
Cos’ after  all, I’m the one who stinks.
And that’s cool too,
b.
They keep playing their instruments on my stereo
My telephone keep’s ringing
None of them brings you
None of them seems to dare bring you and your lovable  face.
Or our long conversations, you know
Me trying to impress you, you know, with my crazy ass mind.
And you releasing your problems on me, baby, and I
ALWAYS
ALWAYS
Goddamn ALWAYS
Get into saying a few things to cheer the person up
And end up get into that friend fuck thing.
Oh no, not fuck friend. Or fuck buddy.
Fuck me, buddy.

You know, forget it.
Stick all your friendships up your ass
Go live on a jungle, with monkeys
And mosquitos on your ears.
Maybe then I’ll be capable to stop associating any fuckin’ little sound
To you
And your eyes
And your fucking
Smile.

Well,
It will be very pleasant for me
And a little for my soul
To hear your virtual voice again.
Or a few more times too,

Baby.

domingo, 21 de julho de 2013

coisa qualquer

Noites quase chuvosas e quase frias
com cães choramingando a noite
tantos prantos aos cantos
caem os barrancos
e aos solavancos
encontra-se o encanto;

Noites sujas e frias, mais cinzas do que negras.
A sobriedade ébria da cidade grande,
com pequenos gatos fugindo das pedras que as revoltadas
crianças de rua jogam em suas cabeças.
Alguns caem dos muros e são apedrejados por seus meros pecados,
outros são levados ou se rastejam até a luz do poste mais próximo, pedindo por socorro e uma dose de cachaça.
Outros estão em suas casas, dormindo ao lado de suas mulheres e homens, ursinhos de pelúcia e namoradas.
Outros caem doidões na rua e sambam no próprio excremento à procura do que um dia foram,
muitos se encaixam nesse grupo,
aliás.

sábado, 15 de junho de 2013

lonely lobo rag

Lobo segue na neve
com o focinho gelado
enfiado no frio.
Tem fome e solidão
frio e mais chão.

Passou pela cidade
Na margem de seus rios tentou pescar
Um peixe molhado e fresco
Mas o homem já os tinha ido pegar.

Ouviu tiros e gritos
e foices para o ar.
Num pinote da cidade ele saiu
Ou o facão sua garganta ia provar.

Então correu pela neve
a cidade se foi
o lobo com frio
e a fome de um boi.

Agora na neve perdido
Nem seu focinho mais sente
Por um tiro foi feriado
Na pata a dor latente.

Arfa e arfa, seu pulmão se congela
Na neve ele se arrasta
o lobo da floresta.

E em seus últimos suspiros
o lobo viu se aproximar
um dos homens do rio, pois bem:

"Vá pra puta que o pariu"

domingo, 9 de junho de 2013

1- Demar/ 2- Visita ao moribundo


Parte I – Demar

1 – Enfim...você conhece aquele cara gordão, barba meio cinzenta e coisa assim...um sujeito gigante que tá sempre de porre? Cabelo estilo soldado.

2 – Conheço um mundo de sujeitos assim, cara. Um monte de motoqueiros metidos a nazi, mamados de pinga e pó e breja.

1 – Não, esse é fácil de reconhecer. Tava sempre com uns dois ou três pacotinhos daqueles M&M's de amendoim no bolso, saca? Aquele amarelo, sabe? Comia direto, falava que era a melhor coisa do mundo.

2 – Não fode, cara. Como alguém consegue preferir aquele lixo de amendoim? Odiava quando tinha só esse na caixa de bombom.

1 – Não gostava também, não.

(Silêncio)

2 – Mas o que tem ele? Acho que lembro quem é...acho.

1 – É, o cara bebeu até o fígado dele virar uma pedra etílica dentro do corpo e agora precisa de um novo pra tipo...ontem. Tá no hospital, nas últimas. O fígado parou de funfar de vez e agora ele tem umas alucinações e tal...tá ficando meio demente também por causa disso.

2 – Hmmm...que azar, puta merda. Mas por que?

1 – Como "por que"? Ele bebia umas duas garrafas por dia desde moleque.

2 – Não, por que ele tá demente e alucinando e tal?

1- Ah, por causa daquele fígado inútil dentro do cara. Para de limpar o sangue e zoa todo o cérebro, sabe. Coisa louca...bem cruel.

2 – Eu sei, perdi um padrinho por isso. Coitado dele. (SILÊNCIO) Faz você pensar em parar de beber?

1 – Não. E você?

2 – Não muito.

1 – Não é um problema pra mim

2- Pra mim também...não muito, pelo menos. Mas provavelmente ele devia pensar isso também

(SILÊNCIO)

2 – Ele era meio quietão quando a gente saia, por isso não lembrava dele. Nunca tava com ninguém, nunca tinha namorada e coisa assim. Lembrei dele agora...é...ele bebia que nem um cão de rua sem ninguém. Mas ele não vai conseguir um fígado novo no hospital? Não vai tentar doação?

1 – HAHAHA, doação, cara? Quem é que vai doar um fígado novinho em folha pra um cara desses diluir ele inteiro em álcool e drogas de novo? Não...vão deixar o cara lá no hospital, morrendo lentamente, querendo um drink e um cigarro, mas não vai dar nada pra ele porque vão dizer que é para que ele fique melhor, mesmo sabendo que vai morrer. Ele não é o Raul Seixas, né? Não...o fígado novinho em folha vai pra algum paciente com câncer ou com alguma doença que não foi ele quem causou. Ou talvez pra algum empresário alcoólatra podre de rico que mereça mais um orgão novo do que ele.

(SILÊNCIO)

2 – Lembra aquela vez lá no Estádio que ele levou um tapa na cara e umas cuspidas de umas garotinhas que tinha começado a conversar do nada? Do nada, cara, elas apenas riram do que ele disse e começaram a azucrinar o sujeito. Depois disso ele chegou com um sorriso no rosto pra gente, como se não tivesse acontecido nada...puta, foi engraçada a cara dele. Aí depois ele bebeu até quase desmaiar, mas não sem vomitar dentro do decote da Bia antes.

(RIEM)

1 – HAHAHA...lembro, cara. Ri muito nesse dia.

2 – Ele era meio patético de se ver assim...acho que combinava mais com porres e ressacas mesmo.

1 – Aquele cortezinho de cabelo...parecia o carinha daquele Nascido Para Matar, saca?

2 – Gommer Pyle. Hahaha, é. Mas ele era firmeza. Quando abria a boca falava umas coisas hilárias...às vezes saia alguma outra coisa interessante também.

1 – Ou às vezes só gorfava álcool puro.

(SILÊNCIO)

2 – Qual era mesmo o nome dele?

1 – Não lembro o primeiro nome. Nunca soube. Chamavam ele sempre de Demar.

Corta.


Parte II – Visita especial ao moribundo

Passos de salto alto no corredor da UTI. Passos ritmados e sem pressa de uma garota que anda serena no meio daquele ambiente tão denso e triste. Portas abertas e semi abertas, casais, famílias, crianças, idosos, muitos idosos com seus entes e visitantes em seus quartos, sofrendo a morte sorrateira e sozinha, mesmo rodeados pelos que se importam por eles. A moça desbrava aquele corredor branco e vazio, enfermeiras e médicos estão todos ocupados no momento, aparentemente. Ou estão fumando cigarros no térreo, no último andar, nas janelas abertas apenas por frestas para que os que estão nas últimas não cheguem às vias da morte mais cedo. Ela passa tomando um café fumegante, não olha para ninguém. Sua pele é branca e seus lábios vermelhos e grossos. Um enfermeiro perdido no corredor a vê caminhando e pensa numa cena de Kill Bill que lhe veio direto do inconsciente, tamanha semelhança com o personagem.
Ela termina o corredor branco, vira para a direita, outro corredor branco. Vai até o final desse, como no outro. 502, 504, 506, 508, 510. 512. A porta do 512 era a única fechada em todo o corredor. E a única que não parecia ter ruído algum por dentro, sem choramingos ou gemidos de dor, apenas um som semelhante ao do começo do sono profundo, minutos depois de deitar na cama após um dia cheio. A garota branca bate na porta três vezes, ninguém diz nada do outro lado da porta. Ela bate novamente, uma voz morta e decadente responde um "entra" bem baixinho e a garota killbilliana abre e disfarça um sorriso de alegria quando vê o homem deitado na cama. Não que estivesse fingindo a alegria de vê-lo, apenas não queria deixar transparecer o olhar de horror para o seu amigo havia virado depois que internado. Triste, muito triste.
  • Demar, como você tá, meu amor? - pergunta a bela dama
Demar está afundado em seu leito, com aparelhos hospitalares por todos os lados, infinitos barulhinhos incontáveis vindo das máquinas que estão pelo quarto, pequenas luzes desses grandes aparelhos vão do escuro ao vermelho, do escuro ao verde, do escuro ao vermelho. Todas sincronizadas com os apitos das máquinas. A garota não sabia como era possível aguentar uma internação na UTI por meses e meses. Demar estava lá havia um mês e meio e parecia já estar completamente insano com tudo aquilo. Seu olhar era vazio, seus olhos duas bolas amareladas e suas olheiras botavam medo até em assassino psicopata. Havia perdido muito do seu notório peso nesse tempo. Ao seu lado havia uma bandeja com comida que não foi tocada por ninguém. Uma sopa com cara de vômito de cenoura e uma gelatina azul. A moça sentiu seu estômago embrulhar e um gosto amargo vindo de dentro de seu corpo. Segurou aquilo e se aproximou do moribundo lentamente, ele fazia força para poder falar:
  • Ótimo...tirando que...tô na merda – e ri
Ela ri junto.
  • Você não perde a piada nem nessas situações, né?
  • Não – respondeu após alguns segundos lutando contra sua fraqueza
A garota sorri para Demar, um sorriso branco e grande. Aquilo foi a coisa mais agradável que o rapaz havia visto naquele hospital até agora, nem as enfermeiras estagiárias tinham chance com o sorriso dela. Então ele reparou que, além do sorriso, a garota passava a mão carinhosamente por seus cabelos que começavam a crescer mais do que ele já tinha deixado antes. Demar se sentiu como um cachorro abandonado, que recebe atenção e comida de alguém na rua durante o inverno. Pensou que deveria sentir vergonha de tamanha comparação, mas achou que era o retrato mais fiel da cena, ainda mais quando percebeu que estava de olhos fechados enquanto ela passava a mão pelos cabelos dele. Ele não sabia porque ela fazia aquilo, não era a hora certa para brincadeiras de provocações, no leito de quase morte daquele diabo. Achou estranho que não reconhecia a cor do cabelo da garota, aliás, não sabia qual cor escolher. Mudava do moreno total para o loiro escuro e depois pra um ruivo mais claro. Seus olhos também não tinham uma cor única quando ele os encarava. Iam do verde claro para o azul e depois um castanho esverdeado. Uma hora pareciam pretos como o de algum demônio e Demar achou que havia perdido a cabeça de vez para sua doença e, dali pra frente, só descida.
  • Você tá magro demais, Demar. Não tá com fome nenhuma? - Pergunta a garota preocupada
  • Pouco. A comida também...lixo
  • É, eu sei como é a comida do hospital.
É, ela sabe como é, disse Demar para si mesmo. Sabia porque o avô havia sido internado ali e ia visita-lo com seus diferentes namoradinhos durante a semana, depois da aula, há anos atrás. Sabia porque o avô comia a porcaria da comida hospitalar enquanto ela se agarrava com os garotos embaixo do blusão da escola, sentados ao lado do enfermo. Ela na verdade só sabia que a comida do hospital é um lixo porque o avô vomitava aquela gororoba vira e mexe e sobrava pra ela avisar a enfermeira sobre a necessidade de limpar aquele nojo. Mas ela não tinha experimentado, não. Ela não ficou deitada na cama sozinha por dias, semanas, comendo aquela bosta, furado por agulhas e torturado por exames, notícias ruins, mortes, visitas de antigos amores não correspondidos ou a falha quase total do seu fígado.
  • E quem tem te visitado aqui?
Demar ficou em silêncio e imóvel por um instante, como se não tivesse nem ouvido a garota falar algo.
  • Ninguém – respondeu com um tom de voz saudável
  • Ninguém? Claro que sim, o pessoal sabe que você tá aqui. Alguém te visitou.
  • Ah...não lembro de ninguém ultimamente.
  • Devia tá dormindo aí.
  • Durmo pouco.
Ficaram em silêncio um tempo, ouvindo os sons do quarto, como uma família de grilos hospitalares procriando por todo o cômodo. A janela estava um pouco aberta, mas o Sol ainda não conseguia entrar por completo. Ela foi até lá e abriu tudo, deixando a luz dominar o quarto. Demar sentiu a luz queimar sua retina, mas achou bom sentir o Sol mais uma vez, parecia até que estava fora daquela cama, fumando um cigarro na esquina de sua casa enquanto conversava com alguém e bebia uma cervejinha. Sentiu-se triste após esse pensamento feliz e a garota já havia voltado para seu lugar, numa cadeira que posicionou ao lado de Demar. Continuaram em silêncio mais alguns segundos e ela falou, dando um pequeno pulo como se tivesse acabado de se lembrar:
  • Ah...o Dani e o Heitor mandaram um beijo pra você. Falaram que vão colar aqui um dia desses, mas você sabe, né...tão ocupados demais fazendo nada.
  • Hahaha doidão aqueles dois haha – aquela risada saiu como um urso morrendo na floresta e pareceu tirar parte do que restava de energia do rapaz – Queria ver aqueles retardados mais uma última vez.
  • Para de falar besteira, Demar. Você...- e parou de falar, porque no fundo sabia que Demar tinha razão.
Ele olhou para a garota sem palavras e ela ficava linda com aquele olhar de duvida e seus cabelos e olhos multicoloridos analisando toda a decadência do ser Demar. Pensou em comentar com ela sobre isso, mas achou melhor não. Permaneceram em silêncio por mais tempo dessa vez, Demar com o olhar distante e vazio, ela observando aquele corpinho que agora não é nem metade do que foi antes. Antes gordo e ereto, postura quase militar, agora decadente e magricela, indo cada vez mais fundo em sua existência, chegando nas últimas goladas de água fria de sua vida. E só queria que nesses últimos goles tivesse 20% ou 30% de teor alcoólico, com grãos escoceses especialmente selecionados. Seus olhos agora pareciam de um verde vivo, brilhavam para ele, os cabelos foram do loiro para o preto. Estou perdendo a cabeça, pensou Demar, mas era melhor do que morrer são.
Alguns minutos mais tarde, Demar teve uma crise de tosses e começou a vomitar sangue quase que aos pés de sua visitante. Sentiu o líquido quente vindo de sua garganta e não pode evitar aquilo, vomitou tudo e quase desmaiou com a falta de ar. O sangue estava de um vermelho vivo, não havia nem um resto de comida não digerida no meio daquilo, apenas bílis e sangue. Demar virou-se envergonhado para a garota, que estava horrorizada com o sofrimento do amigo, tentou pedir desculpas mas quando abriu a boca apenas mais sangue saiu dela, como se tivesse levado um soco. Sentiu que havia se cagado todo na camisola do hospital, não sabia aonde enfiar sua cara. Não agora, por favor, não agora na frente dela, implorou para seu corpo. Não sabia se havia se cagado, não conseguia falar nada, sentiu sangue descendo lentamente pelo seu queixo e caindo na parte de cima da roupa que usava. A garota agora recuperava-se do susto e limpava a boca do amigo com a fronha de um travesseiro sem dono que estava por lá.
  • Dê...você tá bem? - perguntou assustada
Ele recuperava o fôlego aos poucos, ainda sem saber se tinha se sujado por trás também. Achou que não porque a garota ainda estava com ele. Viu que os olhos dela quase transbordavam lágrimas que ela teimava em não deixa-las descer pelo seu rosto liso e atraente. Ele se sentiu ridículo e teve dó de si mesmo por aquilo.
  • Tô. Legal que isso acontece, sabe...só quando você chega - ele ainda tinha dificuldade em falar
Ela passava a mão lentamente pelo cabelo dele.
  • Você viu que bonito fica o olho? Todo amarelo aonde era branco...diferente, né? - perguntou Demar para a garota, refirindo-se ao branco de seus olhos que estavam totalmente amarelados devido à doença.
  • Eu vi, Dê...eu vi – respondeu como uma mãe responde ao filho quando não está interessada em suas brincadeiras. - Você tá bem mesmo, Demar? Você vomitou muito sangue! Aonde tá a enfermeira? Não existe por aqui, não?
  • Tão trepando, caralho – a voz de Demar parecia de nervosismo e impaciência, mas depois ele se tocou – Desculpa. Tão fumando...comendo, demoram muito. Quarto escondido do... caralho.
  • Você quer alguma coisa? Eu vou pegar uma coisa no banheiro pra colocar nesse chão, pera aí – correu até o banheiro e Demar aproveitou para dar uma olhada no rabo dela com seus olhos amarelados de azar. Uma bela visão final, pensou. Ela voltou com a mão embolada em metros de papel higiênico e jogou em cima do vômito sanguinário, ao lado da cama de Demar – Pronto, quando eu sair eu chamo alguém pra vir limpar e depo...
  • Por que você veio aqui? - Interrompeu Demar e a garota não entendeu muito bem a pergunta
  • Como assim...pra te ver, Dê.
Ele soltou um riso sem vida e olhou para o teto, permaneceu em silêncio alguns segundos e a garota também, esperando que ele continuasse.
  • Por que você veio aqui? Pra me ver fodido? Ter certeza dos boatos? - ele levantava sua voz e ela enfraquecia aos poucos, depois teve um acesso de tosses e pensou que iria se vomitar todo novamente.
  • Que boatos, Demar. Eu vim te ver quando soube que você tava por aqui. Você sumiu e ninguém sabia aonde você tava, acharam que você tinha morrido atropelado quando tava bêbado. Quando me contaram eu vim assim que deu, pô. O que deu em você?
  • Você...você nunca me quis, filha...nem banhado em prata com grãos de ouro...por cima....me via e....
  • O que você tá falando, Dê? Isso de novo? Já tivemos discussões o suficiente em cima disso, não vim aqui pra isso, ok?
Ele ficou quieto olhando para o teto e depois fechou os olhos. Uma lágrima escorreu pelo lado que a garota não podia ver tão bem e ele ficou feliz por isso. Sugou as lágrimas para dentro dos olhos e pediu desculpas para ela. Estava perdendo a razão.
  • Eu não queria...você sabe – tentou se explicar
  • Eu sei, Demar, eu sei. Relaxa.
  • Que essa não seja, sabe, última lembrança minha que você guarde, sabe. Não fique...puta.
  • Para de falar assim, meu, sério. Não tô puta com você. Você que devia estar com você mesmo, ter se estragado todo assim. Você é novo pra caramba, Demar. Vai fazer o que agora?
  • Vô morrê.
Ela não respondeu e ele não teria ouvido se ela o tivesse feito. Olharam o silêncio, o sol entrando no quarto, o cheiro azedo subindo do chão, vindo direto do vômito asqueroso que ele soltou por lá.
  • Melhor você ir, sabe.
  • Eu fico mais, Dê. Vai ficar sozinho aí...zoado.
  • Não, não é um ambiente que eu gostava de frequentar antes...não quero que fique vindo aqui por mim.
Ela hesitou um instante, mas cedeu.
  • Você é quem sabe, Dê. Eu só queria te ver hoje, sentia sua falta, sinto mesmo...você que acha que não faz falta.
Demar pensou em comentar o fato de não ter recebido uma visita sequer nas últimas cinco ou seis semanas, mas já tinha injetado sua dose diária de sarcasmo hoje. Apenas sorriu para sua amiga e balançou a cabeça suavemente. Sentiu o calor das mãos dela nas suas, a pele macia e branca, o suor, a pontinha dos dedos rosada. Queria enfiar aqueles dedos na boca. Sentiu algo perto de sua virilha e torceu para que ela não olhasse mais pra baixo, já estava constrangido o suficiente deitado todo vomitado naquela cama dura. Fechou os olhos e dessa vez foi duro não chorar e a garota percebeu isso com a força com que ele fechava a mão dele na dela, como se não quisesse que ela soltasse nunca mais. Ela se sentiu triste por isso e teria ficado mais tempo com ele, se não tivesse ouvido:
  • Melhor ir andando, sabe. Gostei de te ver mais uma vez, coisa mais bonita que vi...não que seja difícil ser bonito nesse lugar, só tem velho pelado se cagando todo na porta do banheiro e gente chorando em cima de cadáver.
Ela riu. Até ele riu um pouco daquilo e não forçou.
  • Ok, eu tô indo, Dê. Gostei muito de te ver, tá? Muito. Melhore...logo, sabe? Por favor
  • Sim.
A garota abraçou-o com força, ela nunca tinha feito isso antes. Ele passou as mãos fracas e agora quase ossudas pelos cabelos dela, sentiu o cheiro de shampoo de limão, adorava aquele cheiro. Apertou ela mais forte ainda e imaginou como seria um grande desfecho beija-la, uma última brincadeira antes do fim. Ela se afastou de seu corpo mas ficaram a apenas alguns centímetros do rosto um do outro, ele olhando para os olhos multicoloridos e ela para os olhos amarelados. Ele se aproximou dela, de sua boca, ela elevou-se um pouco e deu um beijo molhado e longo em sua testa. Faz sentido, pensou Demar. A garota lembrou de um presente que havia comprado para ele:
  • Olha, olha...comprei pra você, sei que você ama isso.
Tirou de sua bolsa um pacote amarelo de M&M's. Ele riu um pouco e agradeceu.
  • Faz tempo que não como um desses. Meu preferido, valeu.
Ela se virou para ir embora e ele reparou novamente nos cabelos mudando de cor, agora do ruivo para um moreno amarronzado. Não se aguentou e perguntou:
  • Ei, o que fez no cabelo?
  • Ah eu cortei um pouco.
  • Haha, eu gostei bastante.
Ela sorriu o sorriso mais lindo que ele havia visto até aquele momento em toda a sua vida.
  • Sabe, ninguém reparou nisso, só você, Dê.
Ele não respondeu, apenas acenou um adeus para ela acompanhado de um sorriso. Ela mandou um beijo para Demar do batente da porta e saiu de sua vista, deixando seu cheiro, seu suor e a janela aberta com o Sol batendo no rosto do moribundo.



N.A: Algumas semanas depois, quando foram retirar o corpo sem vida de Demar, encontraram o M&M's amarelo jogado no lixo do quarto. Ainda fechado. Ele não recebeu outras visitas depois dessa, seu corpo foi cremado e as cinzas espalhadas em uma praça perto do centro por um enfermeiro que lhe concedia cigarros escondidos de madrugada.

domingo, 26 de maio de 2013

A senhorita Bremmenkamp e o clube clandestino dos judeus.


  A senhorita Bremmenkamp caminha graciosa e com classe pelas subidas do centro da cidade, sente o suor descendo por suas coxas brancas e o cansaço daquela cidade entediante e quente. A senhorita Bremmenkamp traz em sua bolsa um revólver .38, mas talvez não use-o dessa vez, talvez ela pegue a velha Luger que pertenceu a sua mãe, quando o pai da mesma faleceu ao término da segunda grande guerra e eles se mandaram pra cá. Os Bremmenkamp foram notórios entusiastas do Partido Nazista quando este encontrou seu auge e por isso eles tiveram que sair quando este encontrou o seu fim, no momento em que o terceiro Reich botou os miolos pra fora de sua cuca. Digo, na verdade eles não eram os Bremmenkamp ao chegarem aqui, o sobrenome era outro, reza a lenda que a família carrega em seu passado um nome pesado e cheio de sangue, por isso o trocaram quando mudaram de continente. O nome original desses alemães...não sei, ninguém sabe.
Voltando a senhora Bremmenkamp, que é a única alemã que realmente importa nessa história, ela agora desce uma rua arborizada que vai dar em frente a uma loja de canetas tinteiro, um negócio típico do velho centro da cidade. Ela mantém toda sua classe e andar alemão, como se desprezasse completamente qualquer outra pessoa de qualquer outro país. Seus olhos claros e cabelos negros parecem impor alguma coisa por onde passa, parecem ordenar aos outros que olhem para ela, para seu andar e indiferença quase nórdica. Dona Bremmenkamp, uma senhora de meia idade com tudo em cima, desce a rua inteira e entra na portinha escondida da loja de canetas tinteiro. Lá o dono é um velho judeu chamado Haym Cohen, que conta com a ajuda de seu sobrinho Yitshac, um jovem judeu que está sempre rindo e sonha em ser rabino, até onde a srta. Bremmenkamp procurou se interessar.
  • Shalom, fraulein Bremmenkamp! Mah nishmá? Como vai a senhora hoje? Está uma bela visão como sempre - pergunta o judeu mais velho, com voz calorosa. A senhora espera a porta se fechar atrás dela e caminha até a bancada dos judeus.
  • Bom dia, Herr Cohen. Estou igual a todos os dias nessa cidade quase africana em que vivemos. E você, garoto, como está a escola de rabinos?
  • Boa senhora, espero estar pronto o quanto antes – sorri o alegre Yitshac
  • O Isaac aqui é um garoto excepcional, passa as tardes estudando hebraico e o Torá, é como se não tivesse olhos para mais nada – diz o tio
  • E as garotas, Yi...Isaa..como pronuncia mesmo? Enfim, não tem uma namoradinha judia pra você?
  • Bom...ainda não me preocupo com isso, você sabe. Eles dizem que tenho que procurar uma boa garota judia pra mim, e que vou encontra-la, mas antes preciso dos estudos para ser um rabino...você sabe, né – responde o garoto envergonhado porém sorridente. A senhora Bremmenkamp acena com a cabeça, mesmo não entendendo muito o que ele quis dizer.
Haym ri forçado para os dois e um silêncio cai na loja por alguns instantes. Bremmenkamp olha as canetas no balcão, algumas são ridiculamente caras e não valem nem um terço daquilo que custam. Esses judeus não aprendem nunca, pensa Bremmenkamp sentindo seu histórico familiar subir a cabeça. Afasta as histórias que ouviu da avó e dos tios sobre esses tempos e se concentra nos dois judeus parados sorridentes à sua frente. São bons judeus.
  • Bom, eu vim para o clube – diz finalmente a senhora. Haym perde seu sorriso aos poucos, como se estivesse deglutindo a informação que lhe foi dada ainda e depois volta com seu sorriso hebraico.
  • Ah, mas é claro, minha fraulein. YITSCHA – grita o velho Haym em hebraico, seguido de uma porção de ordens na mesma língua para o garoto, que a mulher não entendeu nada e achou engraçado aquela língua estranha deles. Uma sujeira completa perto do puro alemão que aprendeu desde criança. O garoto acena com a cabeça para tudo o que o velho fala e responde apenas:
  • Ken, ken...regá.
  • Nós já estaremos prontos para a senhora descer, fraulein Bremmenkamp. A propósito, quantos a senhora vai querer?
A senhora sorri de forma macabra e seus olhos claros exaltam uma frieza alemã que esfria até os vasos sanguíneos do velho Haym Cohen, que sente por alguns segundos no ar o mesmo ódio que matou parte de sua família há algumas décadas atrás. Mas sabe que dona Bremmenkamp é apenas uma velha e constante cliente no clube que o senhor Cohen vem organizando há alguns tempos. Apenas mais alguém que desce até a loja de canetas tinteiro do velho Haym Cohen atrás de um pouco de paz de espírito. Eles ouvem o jovem Yitscha descer escadas no escuro e algumas coisas caindo no chão enquanto os dois lá em cima permanecem em silêncio, apenas esperando o sinal verde do futuro rabino. A senhora mantém seu olhar rígido, sem mover um músculo sequer do seu corpo, apenas com um suave riso no canto dos lábios avermelhados. Então ouvem um grito em hebraico do jovem Yitscha, Bremmenkamp não entende, é claro. Cohen grita "rega" para o garoto e e ele olha sorrindo para madame novamente
  • Estamos prontos, fraulein.
O judeu abriu uma porta quase imperceptível atrás dele e deu espaço para que a senhora fosse na frente, fazendo um sinal cavalheirístico com os braço. Entraram numa espécie de corredor completamente escuro, iluminado somente por uma lâmpada lá no fundo. Os olhos claros de Bremmenkamp reluziam aquela pequena luz amarela no fundo do corredor, o velho judeu ia atrás a passos lentos. A senhora começou a sentir o cheiro de mofo vindo das paredes do corredor, ouviu pequenas goteiras em algum lugar e imaginou-se em um túnel vietnamita ou alguma caverna subterrânea, sempre tinha essa sensação macabra quando descia nessa corredor. Descida essa que não sabia explicar se era mesmo uma descida ou apenas uma reta, com certeza haviam alguns degraus mas não pareciam fazer parte de uma descida ingrime, era um lugar muito, muito estranho. Até mesmo para um alemão.
Continuaram a caminhada lenta, silenciosamente e a fraulein sentiu que estavam chegando ao seu local, ao clube daqueles judeus. Apertou sua bolsa e sentiu o toque pesado e denso do revólver seguido do toque suave do coldre de couro de cabra, respirou fundo e sentiu os pêlos atrás de sua nuca e de seu braço se arrepiarem, sentiu um prazer sexual vindo de suas profundezas e mordeu o canto dos lábios discretamente. Hyam Cohen passou a sua frente logo após e abriu outra porta para ela, essa era uma porta pesada e parecia de aço ou coisa assim, como aquelas de bunkers antibombas. Ela agradeceu com o olhar e atravessou o limiar da porta. Uma luz intensa e branca cegou-a por uns breves segundos e então ela teve a visão daquela imensa sala que parecia prateada, com pequenas divisórias, espécies de cabines numeradas, quinze delas. Todas vazias naquele momento. O jovem Yitscha estava esperando pelos dois sentado em uma cadeira, manuseando uma espingarda de caça que Bremmenkamp achou maravilhosa, mas não comentou nada.
  • Então, senhorita Bremmenkamp, o jovem Isaac aqui já tem tudo pronto para a senhora – ele vira para o garoto e falam alguma coisa em hebraico novamente – Quantos alvos a senhorita deseja?
Bremmenkamp permanece em silêncio ainda, pensando, mesmo já tendo pensado o caminho todo. Aperta novamente sua bolsa, seu revólver .38 e diz:
  • Eu quero cinco, senhor Cohen. Cinco, variados, por favor.
  • Sem problemas, minha fraulein. YITSCHA! - grita mesmo com o jovem ao seu lado e manda-o buscar o que a madame havia requisitado.
  • E mais uma coisa, senhor Cohen. A pistola de meu avô que eu deixei aqui para reparos, a Luger que pertenceu a ele na...o senhor sabe se já está pronta?
Cohen demora a responder, como se não estivesse se lembrando. Mas um lampejo acerta sua mente e ele responde, surpreso por ter lembrado
  • Ahh, sim sim, dona Bremmenkamp. Está pronta, está perfeita, ótimo estado, parece que acabou de sair da fábrica...você verá, dona Bremmenkamp...já vou pega-la para a senhora...hahaha pois a senhora verá como ficou! Verá! - e saiu arrastando os pés com velocidade, como se estivesse muito empolgado para mostrar.
Deixaram-na sozinha na grande sala vazia, com as cabines numeradas e a espingarda de caça encostada. Bremmenkamp pegou a arma e passou as mãos pelo corpo de madeira, belíssima peça, talvez inglesa, sim, inglesa. Passou tanto tempo hipnotizada com a espingarda que não percebeu quando o jovem Yitscha, ou Isaac, chegou com os cinco alvos móveis que ela havia pedido. Posicionou-os numa distância considerável e assobiou para a senhora Bremmenkamp, que encostou a espingarda calmamente no canto da cabine 10 e olhou para o sorridente Yitscha, que estava parado ao lado de cinco pessoas encapuzadas e com as mãos amarradas para trás. Bremmenkamp fez um sinal para que o garoto tirasse o capuz daquelas pessoas e o mandou sair de perto. Olhou para cada rosto cuidadosamente quando o garoto tirava seu respectivo capuz. Um negro, um boliviano, uma garota oriental, um rapaz negro muito alto e outro meio branco que ela não conseguiu distinguir bem a nacionalidade, mesmo essa sendo uma de suas especialidades, por isso chutou ser outro latino. Encostou sua bolsa vinho em cima de uma das cabines, pegou um dos protetores de ouvido pendurados e tirou seu revólver da bolsa. Checou para ver se estava com todas as balas e deu um tiro a esmo, só para ver a reação dos cinco. Todos pularam com o eco ensurdecedor da sala e pareciam estar realmente apavorados, Bremmenkamp riu disso mas manteve a pose alemã séria. A garota oriental e o negro mais baixo gritavam desesperados por socorro, o boliviano parecia rezar em sua língua estranha e os outros dois estavam estranhamente quietos, com a cabeça baixa, talvez tentando acordar daquilo tudo. Senhorita Bremmenkamp agora aponta seu revólver de cano curto para o peito do negro alto que está em silêncio. Dispara. Ele cai no chão com um grito rápido e sangra e se debate inteiro por alguns segundos, enquanto todos os outros gritam como num coral, menos o sem nacionalidade. Seus movimentos vão cessando aos poucos, mas a senhora Bremmenkamp não se importa em checar se está vivo, atira agora na perna do boliviano, que atinge direto em seu fêmur e o baralho do osso rompendo ecoa tão alto quando o tiro. O boliviano cai desesperado, rezando aos gritos e pedindo perdão a Deus. O jovem Yitscha assiste a tudo como quem assiste a um programa dominical de ressaca, até com certo tédio.
  • Qual deve ser o próximo, Isaac? - diz a senhora com um tom maternal e calmo em meio aos gritos de todos, sobretudo da garota oriental, que tem um grito fino e insuportável.
  • Você é quem sabe, senhorita Bremmenkamp, você é quem está pagando pelos alvos.
A madame olha para os dois já caídos, que parecem ainda estarem vivos, decide deixa-los para o final e acalmar um pouco aquele lugar. Barulho contínuo a deixava muito estressada. Então mirou na boca da garota oriental que gritava como uma gralha e, quando apertou o gatilho, o grito havia parado antes mesmo do eco cessar.
  • TOV! - exclama em hebraico o jovem e sorridente Yitscha, aplaudindo a senhora.
Nesse momento o velho Haym Cohen volta com seus passinhos arrastados até aonde estavam os outros dois. Vem com a Luger na mão e Bremmenkamp a vê reluzindo de longe. Seus dedos até transpiram quando ela toca no metal gelado da Luger de seu avô. Os gritos e os súplicos até diminuíram de volume quando ela tocou em tamanha peça histórica. Ficou sem palavras para o velho Cohen, ele sim sabia fazer mágica com aquelas mãos judias.
  • O que achou, Bremmenkamp? Eu vi que nem esperou a pistola chegar para começar o treino.
  • Não consegui esperar...Haym Cohen...esse sim foi um trabalho impecável. E eu não sou uma pessoa que sai por aí distribuindo elogios, hein...aproveite os poucos que lhe dirijo. Olha isso – passou a mão pelo cano – não tem nem um pontinho de ferrugem, parece que nem passou por uma guerra mundial.
O velho senhor Cohen corou com os elogios e entregou para a moça dois pentes carregados para a Luger, mais uma porção de cartuchos que ela havia encomendado. A dona praticamente larga sua .38 em cima da cabine e não perde tempo em carregar e destravar sua nova velha Luger. Peso e design perfeitos, classe, história. A pistola perfeita para um alemão, pensa a retrógrada senhorita Bremmenkamp.
Ela olha para os dois que estão de pé. Olha no boliviano com o fêmur fraturado e mira sem pressa em seu estômago, tentar um tiro que não seja tão fatal assim. Gatilho puxado, estômago perfurado. O sangue de três dos cinco imigrantes ilegais se misturam no chão de azulejos do clube de tiro clandestino. O boliviano está agonizante, sangrando como um porco sendo abatido. Bremmenkamp mantém o olhar frio e mira no negro não tão alto. Tem cara de ser angolano, talvez nigeriano, não importa. Ela mira e decide dar-lhe algo rápido. Puxa o gatilho duas vezes numa velocidade tão rápida que os tiros acertam a cabeça dele praticamente juntos, que cai no chão duro e morto. Cohen e Yitscha se entreolham como que admirando a habilidade da senhorita Bremmenkamp.
O último dos moicanos, pensa a senhora. O rapaz sem nacionalidade ainda não grita, nem chora, está de cabeça baixa tentando não olhar para seus companheiros de morte quase todos mortos no chão ao lado, o sangue deles já atingia seu pé e ele tentava ficar longe daquilo. Os judeus e a senhora acharam graça daquilo e algum dos três até sentiu uma certa pena do rapaz. Mas certamente não foi a senhorita Bremmenkamp, que o acertou duas vezes no peito e uma no pescoço, esse último fazendo um esguicho de sangue jorrar por uns dois ou três metros. Um tiro certeiro na jugular que foi aplaudido pelos dois judeus e teria sido aplaudido pelos outros, se não estivessem mortos ou quase lá.
  • Muito bem! Muito bem, fraulein Bremmenkamp! Quanta habilidade! Quanta destreza nessas mãos e nesses seus belos olhos verdes.
Ela não responde, apenas sorri satisfeita com os elogios e pisca com um olho para o velho. Sai de sua cabine e vai em direção aos cinco atingidos a alguns metros dela. O sangue se espalhava cada vez mais, formando agora uma pequena piscina que devia já ter alguns litros de água vermelha. Imaginou que todos deviam estar mortos, menos o boliviano. E todos estavam mortos, menos o boliviano, que estava a dois passos disso. Ele ainda rezava em sua língua, embora agora parecesse mais balbucios sem sentido do que uma reza. Ela olhou para os outros e todos estavam com os olhos abertos, a garota oriental tinha uma aparência lastimável com a boca toda estourada, achou que ela até fosse sobreviver com o tiro, mas não, estava tão morta quanto os outros três. Virou-se novamente para o boliviano, que a olhava com tanto horror que até a dona Bremmekamp atrás de sua Luger sentiu um frio na espinha. Aliviou o frio atirando na testa do boliviano, espalhando parte de seus miolos naquela piscininha de sangue imigrante e um pouco em seu rosto branco.
  • Ui...le chaim - e percebeu que o jovem Yitscha estava ao seu lado – essa foi hardcore, como diriam os americanos.
  • Sabe, Isaac, ainda tenho uma bala na câmera e outra no pente. E ainda temos dois imigrantes nessa sala, não temos?
  • Sim? - ele não entende
E quando menos espera, Yitscha está com a Luger quase encostada em sua têmpora, com a senhorita Bremmenkamp sorrindo psicoticamente para ele. Yitscha fica sem o que falar e começa a tremer desesperado, se ao menos tivesse vindo com sua espingarda de caça até aonde estavam os imigrantes...mas não estava. Cohen levanta da cadeira que tinha acabado de sentar confortavelmente numa velocidade que nem ele sabia que alcançava mais.
  • Fraulein Bremmenkamp? O que a senhora está fazendo? Por favor....por favor....dona Bremmenkamp...meu Yitscha...meu Isaac, ele é bom menino. Menino estudioso, por favor.
A essa altura, o jovem Isaac já estava no limite de sujar suas cuecas. Já esperava o baque seco em seu ouvido, atravessando seu cérebro e batendo na parede. Pensou no Torá e nas garotas judias que o deixavam envergonhado, pensou no seu tio e em sua família, fechou os olhos e tentou pensar uma oração. Rezou e rezou e quando abriu os olhos, seu tio estava sentado novamente na cadeira e a Luger reformada não estava mais em sua têmpora, mas sim entrando na bolsa da madame Bremmenkamp, que ria sem parar da reação do garoto e limpava seu rosto respingado de sangue boliviano. Ele não achou muita graça daquilo, mas sabia que os alemães e seus descendentes tinham um senso de humor muito diferente dos judeus, muito diferente dos judeus mesmo. Percebe que suas pernas estão tremendo e vai devagar até a cadeira do tio, que acaba de se despedir da senhorita Bremmenkamp.
  • Até mais, Helga. Erev tov! Volte...sempre que quiser, eu acho.
Helga Bremmenkamp acena com a mão e manda um beijo para o garoto Isaac, que ainda está tremendo e suando. Eles perguntam se ela quer companhia até a porta, mas ela diz que sabe o caminho até a rua. Abre a porta e sobe aquele estranho corredor em direção à loja de canetas tinteiro que depois daria para a rua,imaginando porque o senhor Cohen a chamou pelo primeiro nome quando se despediu.